Nesta publicação, vamos falar sobre os distúrbios do sono na infância. Mas, será que você sabe como funciona o sono e por que esses problemas acontecem? O sono é um estado indispensável para o organismo, já que é responsável por regular diversos sistemas do corpo humano, como os mecanismos de conservação de energia. Logo, perturbações na qualidade e na quantidade do sono causam alterações no sistema nervoso central, no cardiovascular e no metabolismo em curto e longo prazos. No entanto, esses distúrbios estão cada vez mais frequentes na população, devido aos estresses cotidianos, à privação do sono, do ganho de peso e do envelhecimento populacional. Biologicamente, o sono ocorre quando os processos homeostáticos atingem um limiar máximo e o processo circadiano esta abaixo do seu limiar mínimo. Isso ocorre quando, à medida que vamos gastar o ATP, molécula responsável por nos fornecer energia para as atividades diárias, vamos acumulando uma molécula chamada adenosina, que vêm da quebra do ATP, em várias partes do sistema nervoso central. Chegando ao final do dia, essa adenosina se liga aos seus receptores e ativam neurônios inibitórios, responsáveis pela estimulação do sono.
Durante o primeiro ano de vida, os padrões de sono do bebê mudam. Os recém-nascidos geralmente dormem a maior parte do dia e da noite, acordando apenas para se alimentar a cada 1-3h. Conforme crescem nos primeiros meses, os bebês consomem boa parte das calorias durante o dia e requerem cada vez menos refeições noturnas para manter o crescimento. Cabe ressaltar que estamos falando de médias de acontecimentos e achados, não é uma regra que se aplica a 100% das crianças. Durante o sono noturno, há uma série de despertares fisiológicos que ocorrem entre os ciclos de sono.
O amadurecimento e as novas habilidades e capacidades podem afetar o sono infantil. Durante o primeiro ano de vida, os bebês desenvolvem uma compreensão de que as pessoas e objetos que não estão diante dos olhos continuam a existir (bebês mais novos não tem essa capacidade!) e experimentam ansiedade de separação. A ansiedade da separação pode ter seu pico entre 6 e 18 meses, às vezes levando a maiores interrupções do sono - tanto a dificuldade de se separar na hora de dormir quanto a dificuldade de se acalmar durante breves despertares noturnos. Além disso, a aquisição de novas habilidades motoras pode influenciar negativamente o sono, particularmente sentar, puxar para ficar de pé e andar, pois os bebês muitas vezes experimentam novas habilidades durante breves despertares noturnos, levando a despertares mais prolongados e sustentados. Ou seja, como em todas as fases da vida, crescer e amadurecer implica em perdas e ganhos.
Entendido um pouco sobre o sono, agora, vamos falar das suas principais alterações na infância:
Apneia do lactente(ALTE): Esse quadro clínico ocorre em recém-nascidos com, no mínimo, 37 semanas e que apresentam interrupções na respiração durante o sono com duração de 20 ou mais segundos, fraqueza muscular, palidez ou cianose (coloração azulada), diminuição na frequência cardíaca e choque ou engasgo Este quadro não é em si um diagnóstico, ele precisa ser investigado e em cerca de 5% dos casos é possível achar a causa. Ele pode ser desenvolvido pelas mais diversas causas, como reflexo gastroesofágico, arritmias cardíacas e convulsões. A investigação inclui monitorar o ritmo cardiorrespiratório do lactente, sendo feito de melhor maneira durante internamento hospitalar. Como exemplo de testes a serem realizados, tem-se o hemograma, o qual deve ser feito para descartar a possibilidade de anemia e de processos infecciosos. Demais exames podem ser solicitados se houver necessidade de acordo coma história e avaliação do paciente Após esclarecimento da causa, deve-se trata-la e o paciente que teve episódio severo, com necessidade de muito estímulo ou reanimação cardiopulmonar passa a ser monitorado em casa. Mas esta decisão de monitorização domiciliar precisa ser muito bem indicada e não é consenso. Em um estudo realizado no HSL-PUCRS com 56 pacientes com ALTE, 92% apresentaram o episódio nos primeiros 30 dias de vida, 71% destes desenvolverem sintomas deste quadro clínico e as causas mais frequentes foram refluxo gastroesofágico, seguido de quadros neurológicos.
Síndrome da morte súbita do lactente(SMSL): É entendida como a morte repentina e inexplicada (mesmo após investigar) de lactentes que acredita-se estar relacionada com a imaturidade do mecanismo de despertar, com a posição na qual essa criança dorme (sendo a de bruços a mais associada à doença) e com a idade, que tem como maior risco a faixa etária de dois e três meses de vida. Além disso, mães fumantes (na gestação e também expondo seus filhos ao tabagismo durante a fase neonatal) têm maior probabilidade de seus filhos serem acometidos por essa síndrome. Tendo isso em vista, o melhor tratamento é evitar o contato das crianças com o fumo, assim como não coloca-las para dormir de bruços nem com muito cobertor, a fim de evitar que elas ficam extremamente aquecidas durante o sono. Em um estudo realizado em Porto Alegre, essa síndrome foi causa de 6,3% das mortes no primeiro ano de vida.
Insônia: Ela é caracterizada pela dificuldade de iniciar ou manter o sono. O que difere entre cada faixa etária é a causa que desencadeou a insônia. Nos lactentes, ela está associada a distúrbios em iniciar o sono. Já nos infantes de 2 a 3 anos, ela está relacionada com doenças crônicas ou agudas(doenças respiratórias, febre, refluxo gastroesofágico), com alergia ao leite de vaca e com uma alimentação noturna excessiva e com uma ingestão exagerada de líquidos. Em relação as crianças na fase pré-escolar e escolar, o medo, pesadelos, as mesmas doenças crônicas ou agudas e a falta de estabelecimento de limites se apresentam como as principais causas. Em relação ao tratamento, deve-se primeiramente diagnosticar a causa da insônia, através da observação clínica e do exame físico. Em seguida, a causa da insônia precisa ser removida e, ao mesmo tempo, é necessária uma abordagem comportamental, que pode ser feita com a ajuda de um profissional especializado, e se preciso for pode ser feita uma terapia medicamentosa.
Enurese Noturna: Dentre os distúrbios do sono na infância, este é o mais comum. Ele pode ser entendido como a micção da criança no seu leito durante a noite. Pode ter como causas a instabilidade da bexiga urinária associada a uma falta de estímulo para despertar, mesmo com a bexiga cheia, e a não liberação de um hormônio chamado vasopressina-hormônio responsável pela reabsorção da água-durante o sono. Para fins diagnósticos, deve-se observar se a criança tem mais de 5 anos, cronologicamente. Ainda precisa observar se a criança teve dois ou mais episódios de incontinência durante os cinco e seis anos e se ele não tem nenhuma outra doença que provoque esses episódios, como diabetes mellitus ou infecção urinária. Em relação ao tratamento, este pode ser medicamentoso, precisando ir a um médico para maiores detalhes, mas pode ser por meio de treinos para o desenvolvimento da habilidade da continência urinária.
Parassonias: Podem ser entendidas como várias situações nas quais ocorrem involuntariamente fenômenos motores ou experienciais indesejáveis durante o sono. Entre eles, destacam-se o sonambulismo, o despertar confusional e o terror noturno. No primeiro, observa-se um caminhar a noite e comportamentos repetitivos. Ele pode ser calmo ou agitado, no qual ocorre reações agressivas e falas que não conseguem ser entendidas, geralmente presente em escolares e adolescentes Já o segundo apresenta-se, com maior frequência, em lactentes, em crianças em idade pré-escolar e escolar. É caracterizado por choros, gritos, confusões e agitações motoras durante 5 a 15 minutos, que cessam espontaneamente e costuma piorar se o consolo é tentado. Sobre o terceiro, podemos falar que se apresenta com episódios curtos (1 minuto), nos quais se visualizam choros, gritos, olhos abertos, aumento da frequência cardíaca, sudorese excessiva e dilatação da pupila, sendo mais frequente em crianças mais velhas e adolescentes. Alguns fatores de stress psicológico podem aumentar os episódios. Sobre o tratamento, é importante destacar que os pais precisam conhecer as questões básicas de segurança, a fim de se evitar uma possível lesão, deve-se preservar regularidade nos horários de dormir e acordar. Em casos de episódios com muita violência , com risco de provocar lesões, pode ser necessário tratamento medicamentoso temporário.
Este texto foi produzido como atividade do Projeto Padrinho Med.
O projeto Padrinho Med foi idealizado pela médica Flávia Ju e tem objetivo de aproximar os médicos dos estudantes de medicina, promovendo troca de experiências e produção de conteúdo tanto científico quanto informativo à população.
Autora do texto: Yasmin Maria Sátiro
Acadêmica de medicina do 3º período da Universidade Federal da Paraíba.
Autor: Marino Miloca Rodrigues - Neurologista Pediátrico.
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REFERÊNCIAS:
BACELAR, Andrea. et al. Manual do Residente: Medicina do sono. Barueri: Editora Manole Ltda,2017.
GEIB, Lorena Teresinha Consalter. Moduladores dos hábitos de sono na infância. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 60, n. 5, p. 564-568, 2007.
NUNES, Magda Lahorgue. Distúrbios do sono. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre , v. 78, supl. 1, p. S63-S72, Aug. 2002 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572002000700010&lng=en&nrm=iso>. access on 21 Mar. 2021. https://doi.org/10.1590/S0021-75572002000700010.