Definição
A epilepsia mioclônica juvenil (EMJ), consiste em um tipo de epilepsia generalizada, caracterizada por movimentos mioclônicos que podem evoluir, em certos casos, para crises generalizadas.
Mioclonia é o termo usado para definir um movimento involuntário breve, muito rápido, irregular e arrítmico, ou seja, uma contração muscular repentina e muito curta. Pode ser limitada a um grupo de fibras musculares, envolver todo o músculo ou um grupo de músculos. Os pacientes costumam definir essa contração como "choquinho", "tremor", "sustinho", "pulinho", "espasmos". A mioclonia pode acontecer associada ou não à epilepsia, é um sinal clínico e não um diagnóstico, ou seja, pode não ser sinal ou indicativo de doença.
Características
A EMJ é caracterizada por crises mioclônicas e crises tônico - clônicas bilaterais, que se iniciam entre 6 e 25 anos de idade, sendo mais frequente crises que iniciam acima dos 10 anos de idade.
As crises mioclônicas mais típicas são as que ocorrem pela manhã, logo após acordar. A pessoa pode deixar cair ou, de maneira involuntária, arremessar objetos e utensílios domésticos. Os sintomas são mais aparentes em privação de sono (ficar muito tempo sem dormir), quando a pessoa é acordada ou ainda durante a fotoestimulação intermitente (quando são aplicados flashes de luz em frequência variada em frente ao paciente), uso de álcool.
Veja como é feito um exame de eletroencefalograma. No minuto 3'34 tem um exemplo de fotoestimulação intermitente:
Em aproximadamente 5% dos casos a EMJ pode ser uma evolução da epilepsia de ausência da infância. Cerca de 10% dos pacientes com EMJ têm histórico de convulsões febris. A prevalência estimada da epilepsia mioclônica juvenil é de 2,8% a 11,9% de todos os tipos de epilepsia e corresponde a 26,7% das epilepsias generalizadas genéticas.
Homens e mulheres são igualmente afetados, mas alguns estudos mais recentes mostram uma predominância em mulheres. Geralmente não há histórico prévio de doenças, o desenvolvimento e inteligência são normais.
Quadro clínico
– O principal sintoma são as crises mioclônicas (com as características já descritas acima) que geralmente ocorrem ao acordar, mas podem ocorrer em qualquer horário do dia, inclusive à noite;
– Não há perda da consciência, os pacientes permanecem acordados, pois as crises mioclônicas são de curtíssima duração;
– Os pacientes não apresentam deficiência intelectual
– Alguns fatores podem precipitar crises, sendo os principais sono ruim ou insuficiente, estresse, álcool;
– Mioclonias: usualmente rápidas, bilaterais, com contrações descoordenadas envolvendo sobretudo os ombros e braços. Podem evoluir para crises de ausência ou crises generalizadas, em cerca de 80% dos casos. Veja abaixo um exemplo de crise mioclônica:
Diagnóstico
O diagnóstico é feito com base no histórico prévio, quadro clínico do paciente e eletroencefalograma (EEG). O eletroencefalograma (EEG) auxilia no diagnóstico quando há a presença de descargas generalizadas concomitantemente ao registro de crises mioclônicas.
Exames de imagem, como ressonância magnética de crânio, são realizados para excluir lesões estruturais do cérebro, mas se o paciente tiver quadro clínico clássico de EMJ e eletroencefalograma compatível o exame de imagem pode não ser solicitado. Porém, pela facilidade de conseguir exames de imagem atualmente, é interessante considerar o risco benefício de solicitar o exame e realizar se disponível.
Duas reuniões internacionais de especialistas em epilepsia definiram quais os critérios necessários para fazer o diagnóstico, sendo os critérios de classe I mais estreitos e os critérios de classe II mais amplos. Para ser feito o diagnóstico de EMJ os critérios de classe I OU II devem ser preenchidos, abaixo os critérios descritos (adaptados em linguagem mais "leiga"):
Critério obrigatório (tanto para classe I ou II): crises mioclônicas sem perda de consciência que ocorram predominantemente após despertar
Classe I
Crises mioclônicas sem perda de consciência que ocorrem exclusivamente em até 2 horas após despertar
Inteligência normal
Idade de início entre 10 e 25 anos
Eletroencefalograma com atividade de fundo normal e período ictal com poliponta onda generalizados, ondas lentas com crises mioclônicas correlacionados
Classe II
Crises mioclônicas que ocorrem predominantemente após despertar
Crises mioclônicas precipitadas ou facilitadas pela privação de sono, pelo estresse, por fotoestimulação ou ainda crises tônico clônicas generalizadas precedidas por crises mioclônicas
Nenhum atraso ou declínio cognitivo (inteligência normal)
Idade de início entre 6 e 25 anos
Eletroencefalograma com atividade de fundo normal e, pelo menos uma vez durante o exame, poliponta onda generalizadas, sendo possível o exame ser assimétrico e não obrigatório ter crises mioclônicas registradas durante o exame.
Abaixo um exemplo de traçado de eletroencefalograma característico de EMJ retirado do Atlas of Electroencephalography:
Tratamento
Desde de a década 1980 não são realizados estudos randomizados controlados para avaliar o melhor tratamento para epilepsia mioclônica juvenil. Os últimos estudos realizados consideram o Ácido Valpróico a medicação de escolha em homens.
Já em mulheres em idade fértil é controverso o uso de Ácido Valpróico, pois em doses mais elevadas esta medicação pode aumentar o risco de malformações fetais, déficit cognitivo e autismo. No caso de mulheres com EMJ o tratamento deve ser individualizado e pode ser optado por usar Ácido Valpróico, porém a paciente e família devem ser informados dos riscos, o médico pode pedir à paciente ou seus responsáveis a assinatura de termo de consentimento quando for prescrita a medicação.
Algumas medicações podem piorar as mioclonias e devem ser evitadas na EMJ, sendo prudente não utilizar fenitoína, carbamazepina, oxcarbazepina, lamotrigina, gabapentina, pregabalina, tiagabiba e vigabatrina. Apesar de ser recomendado evitar o uso em alguns casos, estas medicações podem ser prescritas.
Como em todo tratamento medicamentoso, cada caso deve ser individualizado e discutido com o médico responsável qual é a melhor medicação ou a melhor combinação de medicamentos a ser utilizada.
Recomendações
Para maior chance de controle das crises é importante seguir as seguintes recomendações e EVITAR:
Privação de sono (ficar muito tempo sem dormir)
Fadiga
Uso excessivo de álcool
Despertar antes do esperado
Uso irregular da medicação
Prognóstico
O tratamento é eficaz em 75% dos casos, 15% dos pacientes são refratários ao tratamento (não melhoram as crises mesmo com o tratamento adequado) e 10% são pseudoresistentes ao tratamento (estão com medicação inadequada, não seguem orientações propostas ou tiveram diagnóstico incorreto).
Os fatores de pior prognóstico são: longa duração da doença, combinação dos três tipos de crises (mioclonias, ausência e crises tônico clônico bilaterais), apresentações clínicas não clássicas, alterações focais no eletroencefalograma, doenças psiquiátricas associadas. Mesmo com todas estas informações não é possível prever no momento do diagnóstico da EMJ quais são os pacientes que terão pior evolução.
Apesar de descrita há mais de um século, a EMJ ainda é subdiagnosticada devido à dificuldade diagnóstica, seja pela má caracterização das mioclonias pelo paciente ou, até mesmo, erros de interpretação do eletroencefalograma. Esta dificuldade diagnóstica e o impacto social da doença que é comum, estimulam o constante estudo e aprendizagem acerca desta doença.
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Este texto foi produzido como atividade do Projeto Padrinho Med.
O projeto Padrinho Med foi idealizado pela médica Flávia Ju e tem objetivo de aproximar os médicos dos estudantes de medicina, promovendo troca de experiências e produção de conteúdo tanto científico quanto informativo à população.
Autor do texto: Arthur Carvalhal Gonçalves
Acadêmico do 2º período de medicina da Universidade Iguaçu (Unig)
Coautora e revisora: Benaia Silva - médica neurologista pediátrica.
Para mais informações sobre a autora clique na imagem ao lado.
Referências Bibliográficas
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