top of page
Foto do escritorBenaia Silva

Epilepsia Mioclônica Juvenil

Atualizado: 4 de jul. de 2021




Definição


A epilepsia mioclônica juvenil (EMJ), consiste em um tipo de epilepsia generalizada, caracterizada por movimentos mioclônicos que podem evoluir, em certos casos, para crises generalizadas.


Mioclonia é o termo usado para definir um movimento involuntário breve, muito rápido, irregular e arrítmico, ou seja, uma contração muscular repentina e muito curta. Pode ser limitada a um grupo de fibras musculares, envolver todo o músculo ou um grupo de músculos. Os pacientes costumam definir essa contração como "choquinho", "tremor", "sustinho", "pulinho", "espasmos". A mioclonia pode acontecer associada ou não à epilepsia, é um sinal clínico e não um diagnóstico, ou seja, pode não ser sinal ou indicativo de doença.


Características


A EMJ é caracterizada por crises mioclônicas e crises tônico - clônicas bilaterais, que se iniciam entre 6 e 25 anos de idade, sendo mais frequente crises que iniciam acima dos 10 anos de idade.


As crises mioclônicas mais típicas são as que ocorrem pela manhã, logo após acordar. A pessoa pode deixar cair ou, de maneira involuntária, arremessar objetos e utensílios domésticos. Os sintomas são mais aparentes em privação de sono (ficar muito tempo sem dormir), quando a pessoa é acordada ou ainda durante a fotoestimulação intermitente (quando são aplicados flashes de luz em frequência variada em frente ao paciente), uso de álcool.


Veja como é feito um exame de eletroencefalograma. No minuto 3'34 tem um exemplo de fotoestimulação intermitente:


Em aproximadamente 5% dos casos a EMJ pode ser uma evolução da epilepsia de ausência da infância. Cerca de 10% dos pacientes com EMJ têm histórico de convulsões febris. A prevalência estimada da epilepsia mioclônica juvenil é de 2,8% a 11,9% de todos os tipos de epilepsia e corresponde a 26,7% das epilepsias generalizadas genéticas.


Homens e mulheres são igualmente afetados, mas alguns estudos mais recentes mostram uma predominância em mulheres. Geralmente não há histórico prévio de doenças, o desenvolvimento e inteligência são normais.


Quadro clínico


– O principal sintoma são as crises mioclônicas (com as características já descritas acima) que geralmente ocorrem ao acordar, mas podem ocorrer em qualquer horário do dia, inclusive à noite;


– Não há perda da consciência, os pacientes permanecem acordados, pois as crises mioclônicas são de curtíssima duração;


– Os pacientes não apresentam deficiência intelectual


– Alguns fatores podem precipitar crises, sendo os principais sono ruim ou insuficiente, estresse, álcool;


– Mioclonias: usualmente rápidas, bilaterais, com contrações descoordenadas envolvendo sobretudo os ombros e braços. Podem evoluir para crises de ausência ou crises generalizadas, em cerca de 80% dos casos. Veja abaixo um exemplo de crise mioclônica:



Diagnóstico


O diagnóstico é feito com base no histórico prévio, quadro clínico do paciente e eletroencefalograma (EEG). O eletroencefalograma (EEG) auxilia no diagnóstico quando há a presença de descargas generalizadas concomitantemente ao registro de crises mioclônicas.


Exames de imagem, como ressonância magnética de crânio, são realizados para excluir lesões estruturais do cérebro, mas se o paciente tiver quadro clínico clássico de EMJ e eletroencefalograma compatível o exame de imagem pode não ser solicitado. Porém, pela facilidade de conseguir exames de imagem atualmente, é interessante considerar o risco benefício de solicitar o exame e realizar se disponível.


Duas reuniões internacionais de especialistas em epilepsia definiram quais os critérios necessários para fazer o diagnóstico, sendo os critérios de classe I mais estreitos e os critérios de classe II mais amplos. Para ser feito o diagnóstico de EMJ os critérios de classe I OU II devem ser preenchidos, abaixo os critérios descritos (adaptados em linguagem mais "leiga"):

  • Critério obrigatório (tanto para classe I ou II): crises mioclônicas sem perda de consciência que ocorram predominantemente após despertar

Classe I

  • Crises mioclônicas sem perda de consciência que ocorrem exclusivamente em até 2 horas após despertar

  • Inteligência normal

  • Idade de início entre 10 e 25 anos

  • Eletroencefalograma com atividade de fundo normal e período ictal com poliponta onda generalizados, ondas lentas com crises mioclônicas correlacionados

Classe II

  • Crises mioclônicas que ocorrem predominantemente após despertar

  • Crises mioclônicas precipitadas ou facilitadas pela privação de sono, pelo estresse, por fotoestimulação ou ainda crises tônico clônicas generalizadas precedidas por crises mioclônicas

  • Nenhum atraso ou declínio cognitivo (inteligência normal)

  • Idade de início entre 6 e 25 anos

  • Eletroencefalograma com atividade de fundo normal e, pelo menos uma vez durante o exame, poliponta onda generalizadas, sendo possível o exame ser assimétrico e não obrigatório ter crises mioclônicas registradas durante o exame.

Abaixo um exemplo de traçado de eletroencefalograma característico de EMJ retirado do Atlas of Electroencephalography:


Traçado de eletroencefalograma mostrando poliespículas durante eletroencefalograma
Eletroencefalograma mostrando poliespículas durante crise mioclônica

Tratamento


Desde de a década 1980 não são realizados estudos randomizados controlados para avaliar o melhor tratamento para epilepsia mioclônica juvenil. Os últimos estudos realizados consideram o Ácido Valpróico a medicação de escolha em homens.


Já em mulheres em idade fértil é controverso o uso de Ácido Valpróico, pois em doses mais elevadas esta medicação pode aumentar o risco de malformações fetais, déficit cognitivo e autismo. No caso de mulheres com EMJ o tratamento deve ser individualizado e pode ser optado por usar Ácido Valpróico, porém a paciente e família devem ser informados dos riscos, o médico pode pedir à paciente ou seus responsáveis a assinatura de termo de consentimento quando for prescrita a medicação.


Algumas medicações podem piorar as mioclonias e devem ser evitadas na EMJ, sendo prudente não utilizar fenitoína, carbamazepina, oxcarbazepina, lamotrigina, gabapentina, pregabalina, tiagabiba e vigabatrina. Apesar de ser recomendado evitar o uso em alguns casos, estas medicações podem ser prescritas.


Como em todo tratamento medicamentoso, cada caso deve ser individualizado e discutido com o médico responsável qual é a melhor medicação ou a melhor combinação de medicamentos a ser utilizada.


Recomendações

Para maior chance de controle das crises é importante seguir as seguintes recomendações e EVITAR:

  • Privação de sono (ficar muito tempo sem dormir)

  • Fadiga

  • Uso excessivo de álcool

  • Despertar antes do esperado

  • Uso irregular da medicação

Prognóstico


O tratamento é eficaz em 75% dos casos, 15% dos pacientes são refratários ao tratamento (não melhoram as crises mesmo com o tratamento adequado) e 10% são pseudoresistentes ao tratamento (estão com medicação inadequada, não seguem orientações propostas ou tiveram diagnóstico incorreto).


Os fatores de pior prognóstico são: longa duração da doença, combinação dos três tipos de crises (mioclonias, ausência e crises tônico clônico bilaterais), apresentações clínicas não clássicas, alterações focais no eletroencefalograma, doenças psiquiátricas associadas. Mesmo com todas estas informações não é possível prever no momento do diagnóstico da EMJ quais são os pacientes que terão pior evolução.


Apesar de descrita há mais de um século, a EMJ ainda é subdiagnosticada devido à dificuldade diagnóstica, seja pela má caracterização das mioclonias pelo paciente ou, até mesmo, erros de interpretação do eletroencefalograma. Esta dificuldade diagnóstica e o impacto social da doença que é comum, estimulam o constante estudo e aprendizagem acerca desta doença.


-

Este texto foi produzido como atividade do Projeto Padrinho Med.


O projeto Padrinho Med foi idealizado pela médica Flávia Ju e tem objetivo de aproximar os médicos dos estudantes de medicina, promovendo troca de experiências e produção de conteúdo tanto científico quanto informativo à população.







Autor do texto: Arthur Carvalhal Gonçalves


Acadêmico do 2º período de medicina da Universidade Iguaçu (Unig)














Coautora e revisora: Benaia Silva - médica neurologista pediátrica.


Para mais informações sobre a autora clique na imagem ao lado.








Referências Bibliográficas


Yacubian Elza Márcia.Juvenile myoclonic epilepsy: challenges on its 60th anniversary.SEIZURE: European Journal of Epilepsy http://dx.doi.org/10.1016/j.seizure.2016.09.005


BASTOS, Mariana Cota et al . Epilepsia mioclônica juvenil: estudo clínico, epidemiológico, terapêutico e da qualidade de vida. J. epilepsy clin. neurophysiol., Porto Alegre , v. 15, n. 2, p. 65-69, June 2009 . https://doi.org/10.1590/S1676-26492009000200004.


ALFRADIQUE, Isabel; VASCONCELOS, Marcio Moacyr. Juvenile myoclonic epilepsy. Arq. Neuro-Psiquiatr., São Paulo , v. 65, n. 4b, p. 1266-1271, Dec. 2007 . https://doi.org/10.1590/S0004-282X2007000700036.


Ali A. Asadi-Pooya; Dennis J. Dlugos; Christopher T. Skidmore; Michael R. Sperling. Atlas of Electroencephalography, 2015


2.677 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page