A espinha bífida é uma deformidade que ocorre durante a formação do feto e que é caracterizada pela má formação das vértebras, sobretudo as sacrais, as quais são locais de passagem para a medula espinhal. Entre as formas mais graves da doença, tem-se a mielomeningocele, meningocele e lipomielomeningocele. A primeira é caracterizada pela visualização das meninges(membranas que revestem a coluna vertebral) na parte externa do corpo. Já a segunda pode ser entendida como um tipo de espinha bífida coberta por pele e tecido adiposo. Em relação ao último tipo, vamos falar mais adiante neste texto.
Nesta publicação, vamos discutir sobre a medula presa, uma consequência tardia da mielomeningocele. Inicialmente, temos que entender a doença de base, para, em seguida, adentrarmos um pouco mais no assunto deste texto. A mielomeningocele pode ser entendida como uma espinha bífida aberta contendo parte da medula e nervos adjacentes do feto, que se projetam em forma de “bolsa” para o exterior do paciente. Ela, entre as formas de espinha bífida, é a mais frequente, tendo a incidência global, segundo dados de 2003 da Organização Mundial da Saúde(OMS), variando de 0,1 a 10 casos para cada mil nascidos vivos. Ademais, o Brasil é o quarto país, dentre 41 analisados pela OMS em 2003 com mais ocorrências de mielomeningocele, com uma taxa de 1,139 para cada mil nascidos vivos. Para a obtenção do diagnóstico dessa enfermidade, ainda durante a gestação, realiza-se a ecografia obstétrica morfológica entre a 20° e 22° semanas de gravidez. Porém, para obter mais certeza no diagnóstico, é indicada a realização de uma ressonância magnética. Há a possibilidade de amniocentese, na qual é retirada um pouco de líquido amniótico para dosar os valores de alfa-fetoproteína e de acetilcolina, para firmar o diagnóstico. Após ser firmado o diagnóstico, deve ser feito um acompanhamento familiar, a fim de conscientizar os pais sobre as possíveis complicações que poderão surgir, como hidrocefalia, malformação de Chiari tipo II e alterações nos sistemas cardiovascular e respiratório. Ademais, depois do nascimento, faz-se uma avaliação neurológica e cardiopulmonar, para, nas primeiras 24 horas de nascimento, ser realizada a cirurgia de fechamento do canal medular.
Após todo esse processo, no futuro, poderão surgir algumas complicações. Entre elas, tem-se a medula presa, que se apresenta em 10% a 30% dos pacientes na idade entre 1 a 20 anos que repararam a mielomeningocele. Até cerca de vinte anos atrás ela não era considerada uma patologia individualizada, por ser pouco reconhecida. Porém, os estudos avançaram e descobriu-se que se trata de um espessamento e encurtamento do filo terminal, prolongamento da membrana que reveste internamente o canal medular chamada de pia-máter, que impedem a subida da medula durante o seu desenvolvimento (Veja na figura abaixo). Como consequência dessas alterações, o paciente acometido com essa enfermidade pode desenvolver distúrbios neurológicos progressivos nos membros inferiores, a citar hipotrofia, diminuição da sensibilidade dolorosa e tátil de um ou dos dois membros, lombociatalgia, que é uma dor caracterizada por iniciar na coluna lombar e irradiar para os membros inferiores, além de deformidades ortopédicas, como escoliose e alterações esfincterianas. Todas essas manifestações são utilizadas para firmar o diagnóstico da síndrome da medula presa e podem ocorrer concomitantemente, isoladas ou nas mais variadas combinações. Uma característica marcante desta doença é que os sintomas são progressivos, coincidindo a piora dos sintomas com períodos de crescimento estatural do paciente, quando o cone medular preso vai assumindo posição cada vez mais inferior no canal medular com consequente aumento na tração do tecido nervoso e seus vasos.
Pode ser realizado um raio-X lombossacral simples e uma mielografia, que nada mais é do que uma radiografia ou tomografia computadorizada com contraste, para identificação do canal medular. Outros exames que podem ser feitos são uma tomografia computadorizada e um ultrassom da medula espinhal. O tratamento é feito através da cirurgia de liberação da medula, que estabilizará ou melhorará os sintomas da patologia.
Este texto foi produzido como atividade do Projeto Padrinho Med.
O projeto Padrinho Med foi idealizado pela médica Flávia Ju e tem objetivo de aproximar os médicos dos estudantes de medicina, promovendo troca de experiências e produção de conteúdo tanto científico quanto informativo à população.
Autora do texto: Yasmin Maria Sátiro
Acadêmica de medicina do 3º período da Universidade Federal da Paraíba.
Coautor e revisor: Marino Miloca Rodrigues - Neurologista Pediátrico.
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Referências
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