Tiques são transtornos de movimentos, sendo caracterizados por serem um movimento (tique motor) ou vocalização repentina (tique vocálico), rápido, recorrente e não ritmado.
Variam de pouco frequentes (quase imperceptíveis) até muito frequentes, intensos e autolesivos, geralmente são exacerbados por estresse, excitação, raiva, ansiedade, fadiga, temperaturas elevadas e infecções. Podem ou não ter sensações ou impulsos premonitórios, as vezes os pacientes conseguem localizar esses sentimentos e relacionar com partes do corpo (ex. coceira na face) outras vezes descrevem sentimento de incômodo ou tensão acumulada que pode aliviar quando executam os tiques ou intensificar quando suprimem os tiques. Essas sensações premonitórias podem acontecer em 90% dos adultos e 37% das crianças.
Os tiques reduzem quando o paciente está dormindo ou concentrado em alguma atividade física ou mental. Os pais e pacientes não relatam a presença de tiques durante o sono, mas polissonogramas identificaram a presença de tiques em todas as fases do sono, porém esse exame só é realizado para pesquisas científicas, não sendo rotineiro na investigação e acompanhamento de tiques.
Os tiques podem ser divididos em motores, vocálicos, simples e complexos, abaixo na tabela alguns exemplos de tiques e um gif exemplificando um tique motor complexo:
Características
Transtornos de tiques são mais frequentes em meninos que meninas, sendo até três a quatro vezes mais comum no sexo masculino. Existe variação na prevalência dos tiques, porém é importante destacar que são relativamente comuns na infância e adolescência, com uma prevalência estimada de 2 a 12%, alguns estudos indicam até 20% de prevalência na infância, sendo que o Transtorno de Tique Transitório é o mais comum.
Um estudo brasileiro com crianças e adolescentes encontrou a prevalência de 0,43% para Transtorno de Tourette e a prevalência para Transtorno de Tique ao se excluir Tourette foi de 2,47%.
Geralmente os tiques iniciam entre 4 e 8 anos de idade com tiques motores simples e o repertório de tiques evolui com o tempo. Estatisticamente a gravidade máxima dos tiques tende a ocorrer entre 8 e 12 anos de idade, reduzindo ao longo da adolescência e idade adulta. Existe uma regra aproximada de terços que sugere que 1/3 dos tiques desaparecem, 1/3 melhora e 1/3 continua a flutuar.
O Transtorno de Tique Crônico e o Transtorno de Tourette são condições com um forte componente genético, com estimativa de herdabilidade de até 77%, entende-se que há um mecanismo complexo de herança, com múltiplos genes envolvidos.
Classificação e Diagnóstico
Os tiques são classificados, de acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais - DSM - 5, em Transtorno de Tourette, Transtorno de Tique Motor ou Vocal Persistente, Transtorno de Tique Transitório, Tiques Especificados ou não Especificados.
O diagnóstico dos tiques é realizado de forma clínica, não sendo necessários exames, eles devem ser realizados em casos de início súbito de tiques graves, tiques atípicos e alterações do estado mental sugestivas de processo orgânico, nesses casos uma avaliação mais aprofundada deve ser realizada rapidamente.O exame neurológico e os estudos de neuroimagem geralmente são normais. Abaixo seguem os critérios diagnósticos do DSM - 5 dos principais transtornos de tiques:
Transtorno de Tourette
A. Múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais estiveram presentes em algum momento durante o quadro, embora não necessariamente ao mesmo tempo
B. Os tiques podem aumentar e diminuir em frequência, mas persistiram por mais de um ano desde o início do primeiro tique. C. O início ocorre antes dos 18 anos de idade
D. A perturbação não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., cocaína) ou a outra condição médica (p. ex., doença de Huntington, encefalite pós-viral)
Transtorno de Tique Motor ou Vocal Persistente (Crônico)
A. Tiques motores ou vocais únicos ou múltiplos estão presentes durante o quadro, embora não ambos
B. Os tiques podem aumentar e diminuir em frequência, mas persistiram por mais de um ano desde o início do primeiro tique C. O início ocorre antes dos 18 anos de idade
D. A perturbação não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., cocaína) ou a outra condição médica (p. ex., doença de Huntington, encefalite pós-viral)
E. Jamais foram preenchidos critérios para transtorno de Tourette
Especificar se: Apenas com tiques motores Apenas com tiques vocais
Transtorno de Tique Transitório
A. Tiques motores e/ou vocais, únicos ou múltiplos
B. Os tiques estiveram presentes por pelo menos um ano desde o início do primeiro tique
C. O início ocorre antes dos 18 anos de idade
D. A perturbação não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., cocaína) ou a outra condição médica (p. ex., doença de Huntington, encefalite pós-viral)
E. Jamais foram preenchidos critérios para transtorno de Tourette ou transtorno de tique motor ou vocal persistente (crônico).
Os tiques devem ser diferenciados de movimentos induzidos por drogas e / ou uso de medicações (acatisia, distonia, parkinsonismo), Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), estereotipias, hiperatividade. As compulsões (presentes no TOC) são executadas para prevenir ou aliviar ansiedade, já nos tiques os movimentos são associados a um desejo premonitório (ex. coceira na face). As estereotipias motoras tem início e padrão fixo, são rítmicas, de duração prolongada, não tem impulso premonitório e param abruptamente com distrações.
Pigarro e tosse frequentemente são atribuídos a alergias ou alterações pulmonares, movimentos de piscar os olhos são confundidos com problemas oftalmológicos, pode ser difícil distinguir um tique de um movimento com finalidade, mas se a pessoa consegue suprimir o movimento por um período, tem uma sensação premonitória e já foi tratada para a suspeita orgânica (ex. alergia) de forma adequada e não teve resposta provavelmente ela deve ter um tique.
Investigação
Considera - se na avaliação o tempo de aparecimento de sintomas (mais ou menos de 1 ano), a idade que os tiques iniciaram, duração, localização, tipos de tiques presentes (motor, vocal ou ambos, simples ou complexos), variação ao longo do tempo, capacidade de supressão, fatores de melhora ou piora, sensação premonitória, história familiar, uso de medicação, doenças psiquiátricas prévias e ausência ou presença de outra condição que justifique a presença dos tiques.
É essencial também avaliar o impacto dos tiques na vida dos paciente, existem várias escalas que facilitam essa avaliação. Para a avaliar a gravidade dos sintomas, são recomendadas a Yale Global Tic Severity Scale(YGTSS), a Tourette Syndrome Clinical Global Impression(TS-CGI), a Tourette’s Disorder Scale(TODS), a Shapiro Tourette Syndrome Severity Scale (STSS) e a Premonitory Urges for Tics Scale (PUTS). A YGTSS é a mais utilizada internacionalmente e avalia número, frequência, intensidade, complexidade e interferência de tiques motores e vocais, além do comprometimento geral do indivíduo.
Comorbidades Associadas
As doenças mais associadas aos tiques são Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (17 a 68%), Transtorno Obsessivo Compulsivo (10 a 60%), Transtornos de Aprendizagem (20 a 30%), Transtorno do Espectro Autista (3 a 20%), Ansiedade (2 a 45%), Depressão (11 a 37%), Transtornos de Conduta (5 a 30%).
O tratamento de tiques e detalhes do Transtorno de Tourette serão assuntos abordados em post no mês de maio, que é o mês da conscientização do Transtorno de Tourette.
Referências
Singer HS. Tics and Tourette Syndrome.Continuum (Minneap Minn). 2019;25(4):936–958. doi:10.1212/CON.0000000000000752
Schwind MR, Antoniuk SA, Karuta SCV. Transtornos de tique. Resid Pediatr. 2018;8(0 Supl.1):79-85 DOI: 10.25060/residpediatr-2018.v8s1-13
Efron D, Dale RC. Tics and Tourette syndrome.J Paediatr Child Health. 2018;54(10):1148–1153. doi:10.1111/jpc.14165
American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico de estatístico de transtornos mentais DSM-5. 5a ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.
9. Groth C, Debes N M, Rask CU, Lange T, Skov L. Course of Tourette Syndrome and Comorbidities in a Large Prospective Clinical Study. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2017;56(4):304-12.
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