Boa parte das pessoas já ouviu falar sobre toxoplasmose. É uma doença parasitária causada pelo toxoplasma gondii. Nós adquirimos esses parasitas de diversas formas. A mais comum através da ingestão de frutas e verduras mal higienizadas ou de carnes pouco cozidas. Também pode ocorrer ao mexer em areia contaminada ou com o contato com fezes de gatos. Em geral quando adultos saudáveis a infecção causa sintomas leves semelhantes há um quadro gripal e pode ser que surja gânglios no pescoço que reduzem de tamanho com tempo. Nada muito marcante, na grande maioria das vezes o diagnóstico não é realizada e mesmo sem qualquer tratamento a recuperação é completa.
Já quando a infecção ocorre em uma gestante as complicações podem ser grandes para o feto. Durante a gestação, quando ocorre uma infecção aguda existe uma chance de que o parasita atravessa a barreira placentária e afete o feto em desenvolvimento. O risco dessa infecção ocorrer é de em média 40%, mas aumenta quanto mais tardia for a infecção na gestação e diminui quanto mais precoce for. No primeiro trimestre 6 a 14%, o segundo trimestre 29 a 40% e no terceiro trimestre 59 a 72%. Apesar de mais frequente a infecção no fim da gestação, são as infecções nos primeiros trimestres que causam as complicações mais severas.
Sintomas no bebê
70% dos recém nascidos contaminados pelo toxoplasma são assintomáticos no momento do nascimento. Quando sintomáticos podemos observar coriorretinite, hidrocefalia (aumento de líquido na cabeça), meningoencefalite, calcificações cranianas, convulsões, anemia, icterícia, febre e menos frequentemente, esplenomegalia, linfadenomegalia, hepatomegalia, microcefalia, vômitos, diarreia, catarata, eosinofilia, diátese hemorrágica, hipotermia, glaucoma, atrofia óptica, microftalmia, rash e pneumonia.
Tratar tanto os sintomáticos quanto os assintomáticos é essencial para promover o melhor desenvolvimento neuropsicomotor e a menor quantidade possível de sequelas para essas crianças. As sequelas podem incluir cegueira (total ou parcial) e perda da audição (total ou parcial).
Diagnóstico
Mas para fazer o diagnóstico da toxoplasmose congênita na maioria dos casos, incluindo nos assintomáticos é necessário começar a investigação já durante o prénatal. É por isso que todas as gestantes coletam o IgG e IgM para toxoplasmose em cada semestre durante os seus exames padrões. Caso esses exames venham alterados é necessária a análise pelo médico. Por exemplo, se apenas o IgG vier positivo, é um provavel caso de imunidade prévia a doença. Se vier IgM positivo apenas é uma provável infecção aguda. Caso venha IgM e IgG positivos é necessária a avaliação de que época da gestação os exames foram colhidos e pode ser necessário uma avaliação aprofundada do IgG que chamamos de avidez.
Uma vez que identificamos um caso agudo de toxoplasmose durante a gestação é necessário que a mãe use uma medicação para diminuir as chances de que o feto adquira o parasita nas primeiras 18 semanas de gestação é iniciada apenas a espiramicina e mantida até o final da gestação. A partir do fim do segundo trimestre ou no terceiro trimestre com infecção fetal confirmada (ecografia com sinais da infecção ou líquido amniótico com parasita detectado) está indicado o uso da sulfadiazina junto a pirimetamina e ácido folínico até o final da gestação.
No momento do nascimento esses bebês que foram expostos tem que passar por uma investigação, mesmo se as mãe tenham realizado tratamento durante a gestação. Inicialmente é realizado um exame físico. Caso qualquer dos sintomas citados estejam presentes ele já é classificado como sintomático. Caso assintomático são realizados exames de sangue (hemograma, ELISA IgM por captura e IgG do binômio) além de ultrassonografia transfontanela, exame do fundo de olho e análise anatomopatológica da placenta.
Tratamento
Tanto se sintomáticos quanto se esses exames vierem alterados necessitamos aprofundar a investigação com líquor, função hepática e renal, audiometria e tomografia ou ressonância de crânio e iniciar o tratamento (preferencialmente dentro da primeira semana de vida) que deve ser mantido por 1 ano. os remédios utilizados são:
Sulfadiazina - 100mg/kg/dia via oral (VO) de 12/12horas. - após 6 meses 1vez ao dia
Pirimetamina - 2mg/kg/dia, VO por dois dias, cada 12 horas e posteriormente - 1mg/kg/dia, dose única diária. - após 6 meses usar 3 vezes por semana em dias alternados
Ácido folínico - para combater a ação antifólica da pirimetamina, com supressão medular, preconiza-se 5 a 10mg, três vezes na semana. Manter por uma semana após a retirada da pirimetamina.
Acompanhamento
Exames de sangue de controle devem ser feitos a cada semana no primeiro mês e, após, a cada mês até o fim do tratamento. Se no exame do líquor houver aumento grande de proteínas (maior de 1g) ou se houver coriorretinite deve ser adicionada a prednisolona 0,5mg/kg/dia de 12/12h VO até melhora da inflamação ocular e do SNC, o que geralmente leva 4 semanas.
Todos os pacientes devem ser acompanhados por pediatra além de:
Infectologista pediátrico 1 vez por mês até 6 meses e a cada 2 meses até 1 ano
Oftalmologista a cada 3 meses no primeiro ano e a cada 6 meses até 6 anos
Neuropediatra a cada 3 meses no primeiro ano e a cada 6 meses até 6 anos
Neurocirurgião conforme a clínica
Fonoaudiologista a cada 3 meses
Fisioterapeuta desde o diagnóstico para estimulação precoce
O tratamento incompleto (menos de um ano) está relacionado com pior desenvolvimento cognitivo e motor além de uma maior possibilidade e lesões oculares recorrentes e crises convulsivas. Tratamento com antiparasitários após 1 ano não é recomendado apenas se for detectado um quadro de reativação do parasita, seja no olho ou no cérebro.
Prevenção
Fazer um bom pré natal!
Triagem sorológica no primeiro trimestre e mensal nas gestantes susceptíveis;
Tratar gestantes infectadas.
Dobrar os cuidados de higiene na gestação!
Lavar cuidadosamente frutas e verduras antes do consumo, cuidado com restaurante que você não conhece bem como é feito o preparo dos alimentos (considere evitar saladas de restaurantes)
Não ingerir qualquer carne crua ou mal passada;
Higienizar muito bem as mãos após manipular alimentos;
Lavar faca e utensílios de cozinha após o uso;
Evitar beber água não filtrada ou fervida;
Evitar contato com fezes de gato;
Evitar mexer em areia e jardins.
Esse texto foi escrito por Luis Paulo F S Dutra, médico neurologista pediátrico. Para mais informações sobre o autor clique abaixo.
Referências
McAuley JB. Congenital Toxoplasmosis. J Pediatric Infect Dis Soc. 2014;3 Suppl 1(Suppl 1):S30-S35. doi:10.1093/jpids/piu077
Soares, Janer Aparecida Silveira, & Caldeira, Antônio Prates. (2019). Congenital toxoplasmosis: the challenge of early diagnosis of a complex and neglected disease. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 52, e20180228. Epub April 11, 2019.https://doi.org/10.1590/0037-8682-0228-2018
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