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Foto do escritorBenaia Silva

Venha conhecer um pouco mais sobre a Síndrome de Rett



Introdução


A síndrome de Rett é uma desordem severa no desenvolvimento neurológico. Trata-se da segunda causa mais comum de deficiência intelectual grave em meninas. As crianças acometidas por essa síndrome geralmente se desenvolvem normalmente até os 7 a 18 meses de vida e depois disso passam a apresentar regressão nas habilidades cognitivas, sociais e motoras. A doença é mais prevalente no sexo feminino e sua principal causa está relacionada à mutação do gene MECP2, que está situado no cromossomo X. A gravidade dessa síndrome varia conforme o local e o tipo da mutação nesse gene.


Contexto histórico


Os primeiros traços da Síndrome de Rett foram identificados inicialmente em Viena, no ano de 1954, pelo neuropediatra Andreas Rett. Esse estudo inicial envolveu 22 crianças do sexo feminino, nas quais foram observados os principais elementos que compõe essa síndrome, que incluem características comportamentais autistas, apraxia de marcha, movimentos estereotipados das mãos e perda de expressão facial.


A primeira publicação que fazia referência à síndrome ocorreu no ano de 1966, onde Rett denominou a patologia como uma ‘‘Atrofia Cerebral Associada à Hiperamonemia'', nesse momento o conhecimento acerca da síndrome permaneceu restrito à Alemanha. Apenas em 1983 a síndrome se tornou reconhecida internacionalmente, graças a um estudo feito pelo neuropediatra sueco Bengt Hagberg publicado na revista ‘’Annals of Neurology’’, onde foi sugerido o epônimo de Síndrome de Rett pela primeira vez.


Epidemiologia



A Síndrome de Rett acomete principalmente o sexo feminino (os meninos frequentemente não resistem e morrem precocemente), sua prevalência varia de 1:10.000 a 1:15.000 nascidas-vivas.


Etiologia


A forma clássica ou típica da Síndrome de Rett, responsável por 80% dos casos, está relacionada à mutação esporádica do gene MECP2, situado na banda Xq28 do cromossomo X. Esse gene codifica a proteína 2 de ligação a metil-CpG (MeCP2), que regula a atividade de outros genes do corpo, através da repressão do processo de transcrição. Esta proteína está presente de modo abundante no cérebro e atua na manutenção dos neurônios nos estágios finais de desenvolvimento e após a maturação neuronal estar completa. Portanto, mutações nesse gene prejudicam que ele desempenhe adequadamente suas funções relacionadas à plasticidade neuronal.


A minoria dos casos, denominada forma atípica, tende a ter um pior prognóstico e têm etiologia relacionada à mutação do gene CDKL5 (situado na banda Xp22 do cromossomo X). Ela cursa com epilepsia nos primeiros meses de vida, prejuízo intelectual grave e impacto na coordenação motora grossa.


Existe uma apresentação congênita, causada por mutações no gene FOXG1 (situado na banda cromossômica 14q12), em que os pacientes nascem com microcefalia congênita e deficiência intelectual, cursam com hipotonia e atraso no desenvolvimento motor. Esses sintomas precedem as manifestações clínicas típicas da síndrome de Rett, as quais ocorrem nos três primeiros meses de vida.


Manifestações clínicas


A síndrome de Rett clássica possui uma evolução que pode ser dividida em quatro estágios, de acordo com o que foi proposto por Hagberg & Witt-Engerström em 1986.


O estágio I é denominado estagnação precoce e se inicia entre 6 e 18 meses, nele há parada do desenvolvimento e diminuição da interação social. Cerca de metade das crianças com essa síndrome apresenta microcefalia ou desaceleração do crescimento do perímetro cefálico (tamanho da cabeça). Sua duração pode variar de semanas a meses.


O estágio II é denominado regressão rápida e ocorre entre 1 e 4 anos de idade, nele, apesar do contato visual estar preservado, surgem comportamentos típicos do espectro autista, devido à perda das habilidades de comunicação com um consequente retraimento social. Em relação ao comportamento, também podem surgir crises de riso impróprio ou períodos de choros incontroláveis. No âmbito motor, podem surgir temores, bruxismo e verifica-se que os movimentos das mãos da criança se tornam estereotipados do tipo ‘’lavagem de mãos’’, ‘‘reza’’, ‘‘ bater palmas’’ ou movimentos de torção. Nesse momento também há desenvolvimento de ataxia (se a criança já anda) e apraxia. Também podem ocorrer o aparecimento de disfunções respiratórias (apneia em vigília, episódios de hiperventilação e outras), distúrbios do sono e crises epilépticas. Sua duração pode variar de semanas a meses, podendo se estender até um ano.


O estágio III é denominado estágio pseudo-estacionário e ele se inicia entre os 2 e 3 anos, trata-se de uma fase de platô, com melhora no comportamento, nas habilidades sociais e comunicativas. Nesse estágio os pacientes detém um comportamento no sentido de apontar suas vontades e desejos com o olhar. As irregularidades respiratórias e os distúrbios motores permanecem evidentes, estes são representados por convulsões, ataxia, apraxia, espasticidade, escoliose e bruxismo. A duração desse estágio pode variar de anos a décadas.


O último estágio é o IV, ele é chamado de deterioração motora tardia e ele se inicia quando a criança tem mais de 10 anos de idade. Ela é caracterizada por uma lenta progressão dos atrasos motores. Nesse estágio o contato visual permanece, juntamente com o comportamento de ‘‘apontar com o olhar’’. Verifica-se escoliose juntamente com uma deficiência física severa, com redução da mobilidade e presença de fraqueza muscular, de modo que pacientes que andam deambulação terão prejuízos crescentes, recorrendo à cadeira de rodas. Também podem ser observados sinais típicos de parkinsonismo tais como tremores, bradicinesia e rigidez. Em contrapartida pode ocorrer certa melhora das habilidades de compreensão e comunicação, bem como diminuição dos movimentos manuais estereotipados e a epilepsia se torna menos marcante nesse estágio.


Existe uma variedade de sintomas clínicos adicionais que podem ser encontrados na manifestação clássica da síndrome, que incluem um tipo de estrabismo denominado esotropia, mãos e pés frios por anomalias vasomotoras, disfunções gastrointestinais, como dismotilidade intestinal, constipação, refluxo gastroesofágico, megacólon e maior propensão à colelitíase.

Manifestações clínicas da síndrome de Rett. FONTE: Tratado de Neurologia Infantil

Em indivíduos do sexo masculino a mutação no gene MECP2 geralmente não é compatível com a vida, tendo como consequência abortos espontâneos ou natimorto. Caso isso não ocorra, um menino com essa alteração pode apresentar três desfechos: síndrome de Rett clássica, acompanhada por síndrome de Klinefelter (cariótipo XXY) ou outro tipo de mosaicismo genético, encefalopatia neonatal grave e letal ou transtornos neuropsiquiátricos.


Diagnóstico


Apesar da etiologia genética da síndrome de Rett, seu diagnóstico é eminentemente clínico. Em 2002, Bengt Hagberg e seus colaboradores propuseram uma tabela com uma série de critérios a serem cumpridos para diagnosticar formas típicas e atípicas. Os avanços acerca do conhecimento das características clínicas, genéticas e neurobiológicas da síndrome fez com que, em 2010, Jeffrey L. Neul e seus colaboradores revisassem esses critérios diagnósticos.


De acordo com essa nova abordagem, considera-se o diagnóstico de síndrome de Rett ao observar redução da velocidade de crescimento do perímetro cefálico após o nascimento. A partir disso existem os critérios principais, de exclusão e de suporte.

O diagnóstico das formas típicas da síndrome de Rett exige a presença de um período de regressão seguido por estabilização e todos os critérios principais e todos os de exclusão. Nas formas atípicas ou variantes, o diagnóstico exige um período de regressão seguido por recuperação ou estabilização, pelo menos 2 dos 4 critérios principais e 5 dos 11 critérios de apoio.


Testes genéticos moleculares também são usados no diagnóstico, apesar de não serem recomendados para todos os indivíduos. De acordo com a Agencia Nacional de Saúde Suplementar, eles são recomendados para pacientes do sexo masculino e feminino com transtorno global do desenvolvimento em grau moderado a grave.


Tratamento


Existem dois elementos importantes que melhoram significativamente a saúde e a longevidade dos indivíduos afetados, são eles: a intervenção precoce e a gestão a longo prazo. É importante destacar que não existe cura para a síndrome de Rett, de modo que o tratamento multidisciplinar é focado no manejo dos sintomas neurológicos e psiquiátricos provocados pela síndrome.


O manejo dos distúrbios do sono engloba a indicação de uma boa higiene do sono e a prescrição de melatonina, que é capaz de melhorar a indução e duração total do sono e sua qualidade em um período de até 4 semanas.


Para os sintomas psiquiátricos como ansiedade, perturbação de humor e auto-agressividade são indicados antidepressivos, que podem ser associados a medicamentos ansiolíticos. Em relação ao aspecto comportamental, sabe-se que na fase de regressão da síndrome pode ser observada perda da habilidade da linguagem, deficiência intelectual e dificuldade nas habilidades motoras.

No manejo desse aspecto preza-se pela realização de uma intervenção cognitivo-comportamental, a fim de estimular os os aspectos cognitivos desse paciente. Essa atividade conta com atividades lúdicas, que fazem uso de fantoches, bonecos, brinquedos coloridos e sonoros e livros de histórias ilustrados, tendo por objetivo a discriminação por parte da criança dos conceitos básicos (formas, cores e temperaturas).


Em relação à gestão e controle dos fenômenos epilépticos, preconiza-se o tratamento com medicamentos anti-epilépticos como o valproato, a carbamazepina e a oxcarbazepina.


Manifestações gastrointestinais também podem ocorrer nessa síndrome, como refluxo gastroesofágico, distensão e dor abdominal, bem como constipação crônica. Para isso, podem ser utilizados métodos farmacológicos, como bloqueadores do receptor H2 e inibidores de bomba de prótons. Dentre os métodos não farmacológicos indica-se uma dieta rica em fibras, diminuição do tempo de duração das refeições e manter o paciente em posição sentada após a ingesta alimentar.


Os distúrbios respiratórios como apneia, hiperventilação e retenção da respiração são de difícil manejo, entretanto existem cuidados a serem tomados para que esse quadro não se agrave, evitando a utilização de medicamentos opioides, por exemplo.


Do ponto de vista nutricional, verifica-se que esses pacientes apresentam maiores tendências à baixo peso ou perda constante de peso. Isso ocorre tanto pela presença de desordens na coordenação, quanto por distúrbios gastrointestinais. O ideal é que essa paciente tenha um acompanhamento nutricional desde muito cedo, com uma dieta rica em líquidos, vitaminas, fibras, gorduras e carboidratos.


Em relação ao acompanhamento terapêutico, se faz necessária a presença de fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, além da psicologia já citada anteriormente. A fonoaudiologia é fundamental para a melhora tanto das habilidades de comunicação, quanto das habilidades de tonicidade e movimentação dos órgãos fonoarticulatórios. A fisioterapia se destaca no sentido de retardar ou prevenir o surgimento das manifestações musculoesqueléticas inerentes à síndrome. A terapia ocupacional fornece ao paciente opções que facilitam sua adaptação ao ambiente. Nesse sentido podemos citar como exemplo as adaptações materiais, sobretudo no âmbito da alimentação, as adaptações de brinquedos e as de equipamentos eletrônicos. O objetivo desse acompanhamento é que o paciente adquira progressiva autonomia para desempenhar suas atividades diárias.



Desde a descrição inicial da síndrome, Dr. Andreas Rett já referia a música como um importante meio de intervenção terapêutica nesses pacientes. Portadores de síndrome de Rett manifestam acentuado interesse por música, demonstrado por olhares, sorrisos e risadas, tal atividade atrai sua atenção. Por este último motivo, a musicoterapia se mostra uma aliada às outras terapias, visto que invoca no paciente sua motivação e atenção.


O Programa Especial, feito pela TV Brasil, fez uma matéria sobre essa síndrome e sobre seu acompanhamento terapêutico. Disponível abaixo:


Prognóstico


Como se trata de uma doença rara, pouco se sabe a respeito do prognóstico a longo prazo e expectativa de vida, o que se sabe é que a grande maioria das crianças sobrevivem além dos 10 anos de idade e há relatos de indivíduos que ultrapassaram os 50 anos de idade. Indivíduos que sobrevivem até a quarta, quinta décadas de vida chegam nessa fase com deficiências bastante graves. A morte desses pacientes geralmente ocorre secundariamente a um quadro infeccioso, e não são raras as mortes súbitas durante o sono. Existem alguns problemas respiratórios crônicos que podem surgir nesse paciente, secundários à afecções relacionadas à escoliose. Esses problemas comprometem seriamente a expansão pulmonar, influenciando significativamente tanto a sobrevida, quanto a qualidade de vida desses pacientes.


Orientação aos pais



Uma grande dúvida se diz respeito à escolarização. Desse modo, partindo do pressuposto de que a criança possui boas condições de saúde, recomenda-se que até os 5-6 anos de idade o paciente frequente escolas que ofereçam a Educação Infantil. Esse espaço tem uma utilidade que vai além da acadêmica, pois permite o desenvolvimento e a aprendizagem de habilidades básicas de socialização da criança.

Alcançados os 7 anos de idade, a família deverá fazer a escolha entre: manter a criança no Ensino Fundamental regular ou buscar Atendimento Educacional Especializado para a criança. Caso seja escolhida a primeira opção, é importante prezar para que a escolarização não gere mais malefícios do que benefícios no seu desenvolvimento e qualidade de vida. Essa escolarização deve obedecer os critérios de decisão da família e considerar os objetivos efetivos deste feito, uma vez que atualmente não existem meios para avaliar de forma objetiva o rendimento escolar dessa criança.


A Associação Brasileira de Síndrome de Rett foi fundada em outubro de 1990 e tem por objetivo rastrear e divulgar conhecimentos acerca dessa condição. Ela também visa garantir apoio às famílias de portadores e a promoção de políticas públicas. Essa organização promove eventos como palestras, cursos e capacitações sobre o tema, que contam com a presença de nomes nacionais e internacionais. Essa associação também produz e distribui o Calendário Rett, que objetiva explorar a expressão e a beleza desta síndrome, divulgando-a enquanto isso.


Calendário Rett - Associação Brasileira de Síndrome de Rett

O site dessa associação contém muitas informações acerca dessa condição, que incluem pesquisas e artigos, vale a pena conferir. (www.abrete.org.br)



Este texto foi produzido como atividade do Projeto Padrinho Med.



O projeto Padrinho Med foi idealizado pela médica Flávia Ju e tem objetivo de aproximar os médicos dos estudantes de medicina, promovendo troca de experiências e produção de conteúdo tanto científico quanto informativo à população







Autora do texto: Laura Comeli Ordonho



Acadêmica do 7º período de medicina da PUC - Campinas














Coautora e revisora: Benaia Silva - médica neurologista pediátrica.




Para mais informações sobre a autora clique na imagem ao lado







REFERÊNCIAS


Tratado de Neurologia Infantil


RODRIGUES MM, Vilanova LCP. Tratado de Neurologia Infantil. 1a. Edição, Editora Atheneu, 2016.


Rett Syndrome. Nacional Organization for Rare Disorders, 2019. Disponível em: https://rarediseases.org/rare-diseases/rett-syndrome/. Acesso em: 30 de Abril de 2021.


SMEETS, E.E. J.. et al. Rett Syndrome. Molecular Syndromology, 2012; 2:113–127.


SOUSA E SILVA, N.L. et al. Síndrome de Rett: uma revisão da literatura. J Heath Sci Inst, 2016;34(1):53-7.


KYLE, S.M. et al. Rett syndrome: a neurological disorder with metabolic components. Royal Society, 2018; 8: 170216.


PERSICO, A.M. et al. (2019). The psychopharmacology of autism spectrum disorder and Rett syndrome. Handbook of Clinical Neurology. V.I. Reus and D. Lindqvist, Editors. Capítulo, n 24.








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