Introdução
A Síndrome de Angelman (SA) é uma condição de origem genética que pode cursar com alterações importantes do neurodesenvolvimento infantil, foi descrita pela primeira vez em 1965 pelo pediatra Harry Angelman. Ela ocorre pela ausência no cérebro de uma importante enzima atuante na manutenção da integridade e plasticidade das células neuronais, a Ubiquitina-proteína ligase E3A.
A ausência desta enzima provoca atraso de desenvolvimento, cursando com ausência ou alteração grave na fala, incoordenação motora em movimentos voluntários, tremores em membros, comportamento feliz e risos frequentes, esse comportamento feliz é responsável pelo nome antigo da síndrome, Happy Puppet.
A síndrome de Angelman afeta homens e mulheres igualmente, sua prevalência é estimada em 1 em 15.000 pessoas na população em geral, totalizando aproximadamente 500.000 pessoas em todo o mundo. No entanto, muitos casos podem não ser diagnosticados, dificultando a determinação exata da prevalência na população em geral.
Causa
Ocorre pela perda de função do gene UBE3A que atua na regulação de neurotransmissores cerebrais e está relacionada a processos de degradação de substâncias cerebrais, gerando comprometimento da plasticidade neuronal.
O gene UBE3A está localizado no cromossomo 15 herdado da mãe. Embora nós recebamos uma cópia do gene do pai e outra da mãe, no caso do gene UBE3A a cópia que deve estar ativa e funcionante é a proveniente da mãe, a cópia paterna não consegue substituir.
Essa alteração genética pode acontecer de diversas formas, sendo elas:
Deleção na região do cromossomo materno que contém o gene - acontece em 70% dos casos (ausência do gene)
Mutação no gene materno - ocorre em 11 a 25% dos casos (alteração da função do gene - mudança na estrutura do gene)
Imprinting defeituoso na região 15q11q13 materna - ocorre em 2 a 6% dos casos (erro de impressão e altera a ativação do gene)
Dissomia uniparental paterna do cromossomo 15 - ocorre em 2 a 3% dos casos (herdou dois cromossomos 15 do pai - gene sem função)
A maioria dos casos ocorre de maneira esporádica, ou seja, não é herdada, principalmente nos casos de deleção e dissomia uniparental paterna. Pode ocorrer uma mutação no UBE3A ou na região do DNA que controla a ativação do gene e essa mutação ser passada para a geração seguinte. O risco de recorrência familiar é baixo, cerca de 1 a 2 %.
Características clínicas
A Síndrome de Angelman comumente não traz sinais e sintomas em recém-nascidos, o período embrionário também evolui de maneira normal. Observa-se possíveis sinais de alerta aos 6 meses de vida e posteriormente, a partir de 1 ano de idade as manifestações clínicas características da Síndrome de Angelman tornam-se mais perceptíveis. Os sinais e sintomas podem variar de acordo com as alterações genéticas, podendo ser mais ou menos graves. As características mais marcantes são:
Atraso de desenvolvimento - notado entre 6 e 12 meses
Crises epilépticas - especialmente entre 18 meses e 3 anos
Déficit intelectual (antes chamado de retardo mental)
Distúrbios motores - ao caminhar podem apresentar movimentos inseguros, oscilantes, largos, com perda de equilíbrio, andar "robotizado", além de tremores nos membros superiores e pernas
Riso frequente, sendo comuns gargalhadas e sociabilidade exacerbada por sempre transmitirem a sensação de felicidade, assim como gritos de excitação
Comprometimento da fala e linguagem, podendo ser extremamente reduzido o número de palavras. Esse quadro parece ter relação com o grau de acometimento da mutação genética
Apresentam frequentes movimentos de mastigação, mesmo sem nada na boca
Dificuldades de deglutição, pode haver nesses casos quadros de sialorréia (escapes orais de saliva)
Transtornos de sono são muito comuns. Casos mais graves necessitam por vezes de medicações
Podem apresentar hipersensibilidade ao calor
Geralmente apresentam fascinação por água, podendo inclusive buscarem entrar em piscinas, mesmo vestidos
As características físicas mais marcantes desses indivíduos são:
Microcefalia - principalmente após os dois anos de idade
Queixo proeminente - prognatia
Boca larga com lábio superior fino, dentes espaçados
língua protusa
Estrabismo
Pele, olhos e cabelos claros em comparação ao padrão da família (característica relacionada a deleções do gene)
Obesidade - em crianças mais velhas (mais comum em quem não tem deleção)
Escoliose
Diagnóstico
O diagnóstico da síndrome de Angelman leva em conta a avaliação clínica completa do paciente e testes genéticos moleculares podem ser feitos, como análise de metilação (avalia a função do gene), pesquisa de deleção, sequenciamento do gene. Caso haja alteração no gene UB3A, comprova-se o diagnóstico.
Aconselhamento genético
O aconselhamento genético é importante após o diagnóstico da Síndrome de Angelman para orientar a chance de recorrência da síndrome nas futuras proles do casal.
Manejo
A Síndrome de Angelman não tem cura, ou seja, o manejo deve ser feito objetivando a melhoria da qualidade de vida do indivíduo. Os indivíduos com Síndrome de Angelman requerem cuidados terapêuticos durante toda vida, desta forma, após confirmação do diagnóstico a criança deve ser acompanhada por equipe multiprofissional composta principalmente por pediatra, neuropediatra, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudióloga e demais profissionais necessários.
É interessante ressaltar que após o diagnóstico é natural que os responsáveis pela criança busquem meios para orientação, suporte, planejamento para lidar com uma condição incurável. Por isso, é importante destacar a existência de associações e grupos que buscam apoiar às famílias e os auxiliar na jornada de desenvolvimento da criança, desde o diagnóstico. Esses grupos podem ser localizados por meio das redes sociais, como comunidades no facebook. Além de já existirem associações estruturadas como a Angelman Brasil que pode ser acessada por meio desse link: Angelman Brasil . Assim como há grupos pelo mundo inteiro que dão suporte e acalento a familiares de portadores da síndrome de Angelman, como por exemplo a Angelman Syndrome Foundation (acesso: Angelman Syndrome Foundation )
Este texto foi produzido como atividade do Projeto Padrinho Med.
O projeto Padrinho Med foi idealizado pela médica Flávia Ju e tem objetivo de aproximar os médicos dos estudantes de medicina, promovendo troca de experiências e produção de conteúdo tanto científico quanto informativo à população
Autora do texto: Thalita Iaroczinski Alves dos Santos
Acadêmica do 5º período de Medicina da Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro)
Coautora e revisora: Benaia Silva - médica neurologista pediátrica.
Para mais informações sobre a autora clique na imagem ao lado.
Referências:
Angelman Syndrome - GeneReviews® - NCBI Bookshelf (nih.gov)
a14v60n4.pdf (scielo.br)
Sbp77-2b (scielo.br)
Language, neurodevelopment, and behavior in Angelman syndrome: a case report (scielo.br)
Angelman Syndrome Foundation – With you for the journey
https://rarediseases.org/rare-diseases/angelman-syndrome/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1144/
https://www.diseaseinfosearch.org/Angelman+syndrome/452
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